sexta-feira, 19 de abril de 2013

O ciúme


Eward Munch - Jealousy - 1895

Surgiu sorrateiro, nas fendas da insegurança, e foi se infiltrando, matreiro, sinuoso, pelo corpo débil e tenso daquele homem que, como árvore esmaecida da força vital, lentamente começou a apodrecer, vendo o ciúme destilar por seu caule oco o fel da dúvida.

E assim o gesto, para ela natural, para ele era o indício de tudo, do jogo sórdido das paixões passageiras e infiéis que, na verdade, existia apenas em sua imaginação. Como isso ele não sabia, nem percebia, passou então a atormentá-la, a compartilhar com sua esposa o delírio que o acometia.

De início, ela se esforçava para acalmar a situação. Colocava panos quentes. Fingia que não ouvia. Mesmo porque ele não se esforçava em dissimular o que sentia, e a constrangê-la, em diversas situações, por conta disso. É por amá-lo, acima de tudo, que ela agia dessa forma conciliadora.

Era, aos 27 anos, bastante madura, como se depreende de sua reação ante ao ciúme do marido. Consciente de suas qualidades, ela sabia ser uma mulher extremamente bonita, atraente – e tinha a exata noção do que esses predicados significam e quantas portas podem ser abertas pela suave e enganadora visão da beleza idealizada…

E, para desespero de seu marido, ela detinha em si a expressão do feminino em essência, seja pelos lábios socialistas de tão vermelhos e rebeldes, seja pelos olhos verdes cor do mar e da esmeralda, seja pelos cabelos de girassol e ventania, seja pelo corpo macio, sedoso, manhoso, seja pela sua inteligência e talento ao piano.

Por tudo, ou nada disso (pois infelizmente nosso agoniado protagonista, apesar da posse, há tempos não percebia os encantadores atributos de sua esposa, turvados pela aspereza imposta pela rotina), o ciúme acomodou-se em seu coração e lhe tirou a razão.

Logo ele, um homem fleumático, cheio de maneirismos, dogmático e sistemático, via seu esquema ruir. Foi quando uma ideia sinistra e ao mesmo tempo a mais adequada – em sua opinião – surgiu em sua mente: porque não acabar com o sofrimento, eliminando a causa de tantas dores?

Foi exatamente neste instante que o destino dela se definiu, sem ao menos ela saber, enquanto tocava ‘Sonata a Kreutzer’, de Beethoven, junto àquele violinista, amigo de seu marido, que agora lhe era tão próximo, e que tanto prazer lhe dava ao tocar junto com ela, em dias e noites de música e sonho…


*Texto inspirado no livro Sonata a Kreutzer (1889), do escritor russo Liev Tolstói

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