segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Da morte sombria - Federico Garcia Lorca



Quero dormir o sono das maçãs,
afastar-me do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir o sono daquele menino
que queria cortar o coração em alto-mar.

Não quero que me repitam que os mortos
                                           [não perdem o sangue;
que a boca podre continua pedindo água.
Não quero saber dos martírios que a erva dá,
nem da lua com boca de serpente
que trabalha antes do amanhecer.

Quero dormir um instante,
um instante, um minuto, um século;
mas que todos saibam que não morri;
que há um estábulo de ouro em meus lábios;
que sou o pequeno amigo do vento Oeste;
que sou a sombra imensa de minhas lágrimas.

Cobre-me o despontar da aurora com um véu,
porque me atirará punhados de formigas,
e molha com água dura meus sapatos
para que resvale a pinça de sua lacraia.

Porque quero dormir o sono das maçãs
para aprender um pranto que me limpe da terra;
porque quero viver com aquele menino escuro
que queria cortar o coração em alto-mar.
 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012





Demência deliberada
dramas duplicados
dilemas dúbios

dicotomia

distensão

dores dantescas
dilaceram destinos
desatinos.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Plenilúnio




as primeiras letras
as primeiras palavras
as primeiras ideias

pensamento

e então
num sopro do vento
sou dono de mim

movimento

num repente
instante ausente
do vácuo me faço presente

sentimento

pressinto o passado
vivo o presente
hoje e sempre

vivente

refaço o espaço
tão amplo, tão raso
recordo o regaço

imemorial

de tantas vidas
inaugural
e tão real

universal

e na cena casual
revivo em alguém que vi de passagem
um igual

astral

numa cidade casual
estrangeira
brasileira

mundial

toda humanidade
vibra e canta
em minha verdade

essência

crianças a sorrir
velhos a sentir
mulheres a reluzir

almas

rios incessantes
luares brilhantes
vidas pulsantes

plenilúnio

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Átimo





Alguém, de passagem, irá ler estas linhas confusas e, distraído, pensará na existência – em sua essência. E este alguém irá imaginar, num átimo de delírio, um reino encantado, em que todos os seus desejos irão se realizar. E pensará, mas que maravilha, vou sonhar. Um sonho onde a vida será grande, enorme, imensa. Enfim: infinita! Se poderá voar? Irá vagar pela imensidão do Universo, guiado pelo sopro amigo... E como a caminhada não pode parar, aproveitará para a tudo enfrentar, de peito aberto, com a coragem dos que confiam, e vivem. E a alma sedenta de amplitude, dignidade, liberdade. E também sentirá a energia emergir vibrante como o coração da mãe na hora do parto – o milagre da criação acena; dois lados integrados. Alguém de passagem irá ler essas linhas...

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Santos e homens




Santos e homens
juntos na terra dos porcos
mantêm-se pios
apesar das ofertas
amplas e irrestritas
para que chafurdem na lama
também.

Não tem direito
a comer lavagem, é certo.

Mas quando tem fome,
santos e homens recorrem a
Deus.

E apesar de mortos,
podem comemorar:
suas almas estão limpas.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Arlequim




sentimento imenso

jorra do peito

se ao menos soubesse

como sentir tanto...

movimento intenso

agita a alma

sinto o sopro do vento

respiro o sopro do ar

do mar

retenho a força

a maré

o eterno ondear

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Vagar




Há tempos vagava em busca da seiva milenar que, acreditava, como fio condutor mágico, iria lhe guiar os trôpegos passos, erroneamente tidos como aleatórios por todos. Ao contrário, todos esses passos eram previamente calculados. Ainda que não o soubesse. Porém, como vivia em uma outra dimensão, não eram, os seus passos, compreendidos.

Mas isso pouco lhe importava. Seguia com a certeza no eterno, em passos firmes rumo ao desconhecido. Às eternas nascentes.

A sua busca – há quanto tempo estaria nela? – renovava-se a cada diferente cidade visitada, a cada diferente conversa travada, a cada diferente gosto sentido... Nestes instantes, aparecia-lhe com clareza a vastidão da obra de Deus, de seus desígnios. 

Em sua alma, a dor interior, após a invasão de todos os instantes imaginados, sucumbia, para, como uma mãe, gerar novos e fugazes instantes definitivos. Ao mesmo tempo lembranças deixavam-no aflito, agitado. Em suas entranhas escondia-se uma necessidade premente de ver algo que desconhecia. 

E isto o fazia caminhar.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Estrela




Quando tudo parecer pequeno, olhe para o céu e perceba o brilho das estrelas. E sinta-se como uma delas, pois o seu brilho interior pode iluminar o universo inteiro.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Exercício do delírio





Exalar misterioso, volátil, essência que invade e desbrava barreiras, incandescente jóia adimensional reluzindo sem dogmas de tempo e espaço, abstrato sentido captado à revelia; sim, essa fagulha que move o universo e unifica labirintos interiores no momento em que a flora sentimental se torna incompreensivelmente simples, o tudo vertendo no todo, o amor.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Cifrão (Quinhão)




Se o respeito é maior
pelo cifrão
do que pelo
coração
então não há razão
a não ser aquela
seca de emoção
afogada
pela vazia ilusão
de ser apenas um
quinhão.