penso em herzog
aqui na frente dos escombros
da casa em que vivia
e de onde os algozes
o sequestraram
e levaram rumo ao martírio
no lugar onde devia haver um memorial
resta apenas o pó
- e a especulação imobiliária -
dum país cuja memória se
esvai, transviada em palavras
cínicas, cafajestes
daqueles que torturaram e
mataram e tristemente
voltaram, sinistros
recalcados
com seus coturnos
e sapatos bem engraxados
porém nada polidos
a esmagar verdades
liberdades
a concentrar rendas
e preconceitos
(...)
penso
e de tanto pensar
lembro de belchior
"o passado é uma roupa
que não nos serve mais"
(...)
sinto
a natureza
em sua florescente beleza
sob o céu anil
raios de sol acariciam
minha face úmida
secam o sal
de meu lamento surdo
escurece o dia
poeira em nuvens de morte
índios abandonados à nenhuma sorte
cinzas e sangue se misturam
num pesadelo
num desatino
sem sonho nem poesia
sem direitos nem alforria
como a mais bela tribo
esmagada por ser inocente
(...)
sinto
e de tanto sentir
lembro de chico buarque
"amanhã, vai ser outro dia".