segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Da morte sombria - Federico Garcia Lorca



Quero dormir o sono das maçãs,
afastar-me do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir o sono daquele menino
que queria cortar o coração em alto-mar.

Não quero que me repitam que os mortos
                                           [não perdem o sangue;
que a boca podre continua pedindo água.
Não quero saber dos martírios que a erva dá,
nem da lua com boca de serpente
que trabalha antes do amanhecer.

Quero dormir um instante,
um instante, um minuto, um século;
mas que todos saibam que não morri;
que há um estábulo de ouro em meus lábios;
que sou o pequeno amigo do vento Oeste;
que sou a sombra imensa de minhas lágrimas.

Cobre-me o despontar da aurora com um véu,
porque me atirará punhados de formigas,
e molha com água dura meus sapatos
para que resvale a pinça de sua lacraia.

Porque quero dormir o sono das maçãs
para aprender um pranto que me limpe da terra;
porque quero viver com aquele menino escuro
que queria cortar o coração em alto-mar.