sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Deixe estar



não se deixe
siga o feixe
de possibilidades infinitas
de vontades benditas

tão mais amplas
que pequenas tramas
tão mais reais
que egoísmos venais

o sal da terra
refaz a flor
o sopro do vento
desfaz a dor

tão belas palavras
florescer
além de rútilas quimeras
aquecer

espaços possíveis
movimento intenso
corações sensíveis
sentimento imenso

deixe vibrar
amar
voar
deixe estar

terça-feira, 18 de outubro de 2011

depois das seis

A Máfia Siciliana na Vila Madalena,




instalou-se, não se sabe quando, talvez em uma época indefinida,

perdida nas rubras brumas do esquecimento.



Supõe-se, dizem alguns,

ter começado naquela tarde ensolarada de verão, quando

já se iniciava o movimento rumo às cadeiras dos bares,

as trupes urbanas seguindo para curtir o depois das seis

e deixar nos copos de cerveja todas as preocupações

ou não.



Foi quando o Cabeção entrou atirando no bar:



- ninguém ao menos se mexeu nos segundos em que

sua arma levou a vida de Jotabê -



Ainda envolto pela fumaça que saia pelo cano da 45

Cabeção conferiu se estava tudo certo e saiu,

sem ninguém a lhe fitar.



A não ser ela,

a Morte.

sábado, 15 de outubro de 2011

Narrativa inspirada em Abutre, de Gil Scott-Heron

Várzea




Acabara de chegar ao campo de terra que, além de arena de clássicos embates da várzea paulistana, servia como entreposto para a venda daquelas substâncias que se convencionou denominar como drogas.



Escapara à vigilância do patrão, da esposa, da sociedade, de si mesmo



– naquela tépida tarde de terça-feira –



em busca duma dose pra longe de sua própria realidade



– desatinos em nada baseados.



Alguns garotos batiam bola num canto do campo, outros empinavam pipas, e algumas crianças corriam, apenas.



Logo viu Êh, ali nos fundos do grande terreno que abrigava o Estrela Dalva, veterano time de várzea da zona norte de São Paulo:



– Fala Eh, beleza?



O mercador de loucuras urbanas rebateu:



– Fala rapaz, certinho? Qual é a boa?



O sol começava a arder.



– Tem um chá aí?



Êh ralhava com um menino e uma menina – seus filhos – que se sujavam brincando no chão de terra.



– Cara, cê deu sorte; chegou um bom ontem. Vai querer quanto, tem de dez e de vinte?



– Me dá um de vinte...



Logo ao lado, no barranco que dá pra rua de baixo, Êh pegou a marijuana escondida. O viajante pegou a nota de 20. Trocaram gentilezas. E começaram a preparar um baseado.



– Eaí, como estão as coisas por aí?



Êh ainda não havia convencido seus filhos a deixar de rolar pelo chão de terra.



– Tá foda, os cara tão em cima... ontem mesmo a Rota pintou por aí...



A tarde fazia-se cada vez mais alaranjada, naquela tez do deserto, típica cor do verão. Nisso chegou Emejota, que passava o bagulho no campo do São Cristóvão, co-irmão e antigo rival do Estrela Dalva, logo ali a três quadras de distância.



- Eaí, beleza?



- Como tá o movimento lá embaixo? – perguntou Eh.



O rapaz (não devia passar de 17) estava sem camisa – e agitado.



- Porra Eh, os cara viero com tudo em cima pra cima de mim! Metendo os cano, queriam me empurrar o bagulho... Falei que não era meu e o cara engatilhou, falou que ia estourar minha cabeça! – narrava Emejota, olhos esgazeados, ardendo. – Mano, foi foda...



Êh não esboçava reação enquanto olhava a cara assustada de Emejota. O viajante observava os dois traficantes discutindo, e sentia o medo do jovem, falando do enquadro que tinha tomado, e o desespero, ainda vivo, latente, em seus olhos.



- Achei que não ia sair dessa, véio... – disse, pra depois pegar o seu filho, que brincava com a menina de Êh, e sumisse morro abaixo.



Quando o baseado queimou-lhe os dedos, Êh enfim cansou-se de ralhar com os filhos e os levou para dentro de casa. Não sem antes descolar para o viajante o fumo que este havia ido buscar.

Chove chuva

Chove chuva




roxa



na voz do



bem



jor



jorge



de todos os



santos



e a chuva realmente



caia



lá fora



pela noite afora



encharcava os



sonhos de areia



amargos



(...)



lembranças de um



tempo



perdido



nas brumas da memória



esquecida



do gosto de tudo



do antes



do hoje