segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Ela

Foto: Rodrigo Erib (http://tuttoposto.tumblr.com/)


O dia, amanhecido
Cinzento
Cingia
A alma feito unguento.

Corria
O sentimento
Denso, fervia
A ansiedade lá dentro.

Lá estava ela
Amanhecida
E bêbada.

Nua
Sem forças
Levada à tormenta.

Na sua cabeça
Flanavam os pensamentos
Despidos de certezas
Perdidos aos ventos.

Em seus delírios
Dançavam
Sorrateiros
Momentos, realejos.

Seus olhos
Fundos
Refletiam seu mundo.

Seus sonhos
Infecundos
Enevoavam seu rumo.

Deitada, certo olhar ao acaso
Tirou-lhe do pasmo
A levou adiante
Alma novamente andante.

Os sentidos retornaram
Os destinos reafirmaram
Recuos e medos
Ruíram, ledos.

Um poema, inspirado
Íntimo retrato, pincelado
Naquele verso, musicado

Tragada profunda
Alma fecunda
Tabacaria rotunda.

Recônditos expurgados
Ausência de si
Um acorde em Si.

Ressoou dos líricos versos
Poeta português, de fados inversos
Álvaro de Campos, encanto
Revolveu, em todo seu canto.

E a fez feliz
Força motriz
Num êxtase febril, juvenil
Dum antigo sonho pastoril.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Palco vazio


Eleanor Rigby

É tão estranho sentir
o eco surdo da solidão
o silêncio mudo da multidão
e alado o teatro ouvir.

As cortinas, como rubro oráculo
descerram
anunciam
o fim do espetáculo.

O ator, reator, ainda na berlinda
num outro reflexo
recebe o amplexo
de mais uma história finda, linda.

No peito amplo, acalanto
outra vida, sentimento
orgulho, rebento
receio, espanto [encanto.

De se ver
novamente
meramente
em seu ser.

Gestos outrora
íntimos, ritmados
lamentos desvelados
retratos da aurora.

O som dos passos
no tablado
destino alquebrado
desejos lassos.

Ruídos
proibidos
sentidos
retraídos.

Máscaras a
sorrir
motivos
do porvir.

Porto Solidão
tão turva
tão chuva
rubra obsessão.

Arrebatado pelo sutil
sopro da profunda dimensão
percebeu seu puído coração
estalar como gelo ardil.

Mil olhos a lhe encarar
da fúnebre platéia vazia
mil olhos a lhe ancorar
entre delírios e fantasias.

Olhares do mundo
do eu moribundo
do ser absurdo
cantos raros, eunuco.

O palco, multidão
o palco, Saara
o palco, Samsara
o palco, procissão.

No ato
seu ninho
seu vinho
fogo fátuo.

Num átimo
do átomo
do início
suave sacrifício.

Para além do infinito...


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Avenida Paulista




Terra de ninguém
traduz São Paulo
do concreto duro
o orvalho
a essência
da metrópole insana.

A criança 
com o neném.

O pedinte
sem um vintém.

A fanfarra tocando
"eu queria ser uma abelha
pra buscar na linda flor
ai amor
ai amor"
e logo ao lado
- não sei como
os sons não se confundiam - 
o guitarrista improvisava
sobre a melodia de
All Along The Watchtower
aquele som do Bob Dylan
que o Jimi Hendrix
e sua experience
psicodelizou.

Parei para ouvir
ambas as expressões
artísticas
e pessoais
e enquanto os acordes
transitavam
pelos ares
pelas cabeças
da multidão
que passava incessante
o que se passava
para além de tantos semblantes?

Será que a garota
de boina
azul
nasceu no sul?

Será que o senhor
de bengala
missionou em Bengala
e gosta de blues - e licor?

E o executivo
sem improviso
será que pensa
sempre tão preciso - do seu riso?

E o policial
de sobreaviso
será que desconfia
até mesmo quando vigia?

E por falar na polícia
ela passa agora
ao meu lado.

Acompanha
o grito surdo
do povo brado.

Pouca gente
reunida, cingida
mascarada, unida.

O trânsito dá uma parada
e a massa grita 
palavras de ordem
[sistema desalmado
foda-se a corrupção
alienação
vil metal
submissão].

E ao redor
o pessoal continua
a beber cerveja.

Mil histórias
em uma avenida
onde tudo
se dá
e há.

A grana
que circula
insana.

O poder
tão sutil
tão burguês.

Eu
vocês
elês.

Sordidez
sem tez.

E ao mesmo tempo
tantas cores
luzes
delírios
cruzes.

E na foz
do Nilo
nas entranhas
das lembranças
recordo o alarido
rebrilho
momento tão belo
tão certo
quando veio
naquela vez
aquele garoto
maroto
falar comigo
e o Waltier
meu amigo
dizendo que sabia
falar obrigado
em 20 idiomas.

Paguei pra ver
e ele recitou
em francês
italiano
russo
japonês
fez crer
e contou seus planos
o que queria ser:
explorador
cientista
astronauta
ator
encantou
fez-nos esquecer
nosso desamor.

Avenida Paulista
de enredos surreais
venais, amorais
fraternais, reais
viscerais
em cujo final
mora a Consolação
imensidão que nasce
no Paraíso
santa maternidade
reflexos de humanidade.



segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Midnight



Dark night
So deep
So hard
Stage fright

Closed night
So sick
So thick (as a brick)
Fear to be bright

Strange night
So sleep
So creep (and trip)
Distant insight

Silent night
So alone
So above
Upon moonlight


The inner light

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Sonhos



Sonhar
Não tem razão
Ao menos explicação
Sonho pelo prazer
De sonhar
Sonho por ser
Sonho por estar
Sonho por sentir
Sonho por amar
Sonho por sonhar
E os meus sonhos
Eu hei de realizar
Sozinho
Ao par
Ao pôr do Sol
Ou sob a luz do luar
Seguirei
A sonhar
Ouvir
Olhar
E a tudo
Cantar
Num delírio
Além-mar
A voar
Em pleno ar
Até alcançar
A quarta dimensão
Para enfim
Despertar
Recomeçar
Sonhar

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Psiquê

Sower With Setting Sun - Vincent Van Vogh - 1888

Lembrança
Imaginação
Realidade
Ilusão

Impressão
Recordação
Verdade
Alucinação

Sim e não
Imensidão
Vontade
Projeção

Sofreguidão
Ilação
Deidade
Solidão

Idealização
Louvação
Amizade
Criação

Sensação
Miração
Serenidade
Vibração

Louco
São

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Todos nós




Todos nós
Manifestantes radicais
Mas não imorais
Como aqueles que legislam nós

Que nos querem sem voz
Amestrados como irracionais
A engolir suas políticas venais
E aceitar um aviltamento atroz

Mas não estamos sós
Somos um, somos mil
Somos juntos, sob o céu anil
Sem esperar o após

Vamos desamarrar o cós
Expor o ventre da corrupção
Reconstruir nossa nação
Todos nós



Foto: André Coelho

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Incaico lodo



Incaico lodo
todos somos
nesta América
fecunda
profunda
hirsuta
resoluta
à procura
da revolução 
social
mental
espiritual
da libertação
total.



As pinturas deste post são do peruano Miguel Camargo

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Punk!


Warning Festival

Montreal

Enquanto o alemão

Punk

Cospe cerveja

Na boca do outro

Alemão

Punk

A banda toca

E o guitarrista sorri

E sua guitarra grita

Sex Pistols



– sim, eu ouvi a imagem clamar –

Punk

Na foto ao lado

O senhor abraça

O jovem

Punk

Num subúrbio qualquer

De Londres

A imagem é bonita

Singela

Em meio a uma miríade

Convulsão

De som

Revolta

Fúria

E desilusão

Punk

Em imagens

Nuas

Cruas

Ruas

De bandas

Punk



Boom Boom Kid

KGB

Teu Pai Já Sabe

Peligro Social

Fugazi

Guar

Lugares

E pessoas

Punk

Em Curitiba

Marty

A garota fumando em

Lima

Oaxaca

Inferninhos

Fétidos

O começo do fim

Do mundo

São Paulo

A exalar

Punk



Nestas cenas

Fraturas

Expostas

Do grito primal

Nascido no âmago

Punk

Seja no

Peru

Polônia

México



Brasil

Canadá

Japão

Na puta que o pariu o

Punk

Nasce

Morre

Renasce

Explode

E que se foda

O sistema

Punk

To aqui na Matilha Cultural

Nesta terça-feira

09/04/2013

Na exposição do fotógrafo

Uruguaio

Martin Sorrondeguy

Punk

Ao redor do mundo

E acaba de começar o show

E o vocalista da banda

Likso

Grita alto pra caralho...

Bom, pra resumir, e

Não explicar

Esta noite



Punk

E louca

Transcrevo

O que vejo

E leio

Numa foto da exposição

Uma moça

Punk

Segura um cartaz

Escrito:

Resistencia

Guitarras asesinas

Para la revolución

Resistencia

Te advierto

La natureza

De tu opression

És la estetica

De mi anarkia

Punk

* esta poesia nasceu de minha visita à exposição que aborda o universo  underground punk "Get Shot", com imagens do fotógrafo uruguaio Martin Sorrondegui, captadas ao redor do mundo, e em cartaz até 12 de maio na Matilha Cultural, em São Paulo. (mais informações você encontra nesta matéria que escrevi para o Fala Cultura!: http://falacultura.com/2013/04/21/matilha-cultural-punk/