quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Fechar os olhos da matéria / abrir as janelas da alma


Vivemos na era da imagem. Você é o que parece. Se não parece, não é. E assim, fiando-se em estereótipos e máscaras, seguimos sem enxergar o que há dentro. De si e do outro.

Daí que, segunda-feira passada, 09 de novembro, pude vivenciar uma experiência ilustrativa nesse sentido, ao ser convidado, como repórter da Achei! NA VILA, revista com a qual colaboro, para participar de um jantar no Chácara Santa Cecília, delicioso restaurante localizado em Pinheiros, repleto de verde, um verdadeiro recanto no seio da metrópole.

Jantar às Escuras.

Esse era o nome do evento, cuja proposta consiste em comer de olhos vendados, para assim, aguçar os sentidos alheios à visão: olfato, tato, paladar... Em suma, estimular a percepção.

A idéia, importada da França por Elis Feldman e Maria Lyra, do Ateliê No Escuro – Gastronomia (www.noescurogastronomia.com.br), é fascinante. Se no restaurante parisiense que essas duas psicólogas de formação e chefs por vocação visitaram há o detalhe de os garçons serem cegos, na versão brasileira há o detalhe da música e da poesia. Um violonista toca belas composições de estilo flamenco durante o jantar. E antes de servirem cada um dos pratos do menu, as gentis Elis e Maria declamam poesias como esta, do poeta Manoel de Barros:

Eu sou dominado pelo primitivo, o primitivo é que manda na minha alma, mais do que os olhos. Eu não acho que seja pelo olho que entram as coisas minhas, elas não entram, elas vem, elas aparecem de dentro, de dentro de mim!

Antes de entrar no salão no qual jantaria, fui vendado e levado até a mesa. Não fazia idéia de onde estava. O pequeno salão ganhou proporções de um sinuoso labirinto em minha mente. Dividi a mesa com três colegas de imprensa, Joana Ceccato (OI Fm e MTV), Fabrício Pietro (Mix TV), Michelle Trombelli (CBN), e com Bianca Gravitti, amiga de Michelle.

A experiência gastronômica propriamente dita, de provar pratos sem os ver, é um deleite aos sentidos. Pode-se comer com talheres ou com as mãos – assim o fiz, assim como todos da mesa. Sentir a textura, a consistência, aliada ao aroma, faz com que a imaginação viaje, para o bem e para o mal. Particularmente, não tive pudores. Apesar de não descobrir o que estava a degustar, gostei de tudo que provei. Comi devagar, saboreei como não me permito no frenesi do dia-a-dia, onde muitas vezes nem percebo e já estou engolindo a comida, sem atentar para o sagrado do ato de se alimentar. Todos os pratos estavam deliciosos. Assim como o vinho servido.

O vinho, aliás, serviu também para que nos soltássemos. Afinal, ninguém se conhecia na mesa. E ninguém podia se ver. Assim, a maneira com a qual julgamos conhecer o outro, através da visão, não nos era permitida. Passamos então a conversar, perceber o tom de voz, sentir a vibração alheia, captar nuances por meio dos raciocínios expostos. E a confiar em quem estava a nos acompanhar. Como em quem estava a nos servir. Pensando bem, esta talvez tenha sido a principal lição que levarei da experiência. Tentar confiar em e perceber quem me rodeia.