segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Palco vazio


Eleanor Rigby

É tão estranho sentir
o eco surdo da solidão
o silêncio mudo da multidão
e alado o teatro ouvir.

As cortinas, como rubro oráculo
descerram
anunciam
o fim do espetáculo.

O ator, reator, ainda na berlinda
num outro reflexo
recebe o amplexo
de mais uma história finda, linda.

No peito amplo, acalanto
outra vida, sentimento
orgulho, rebento
receio, espanto [encanto.

De se ver
novamente
meramente
em seu ser.

Gestos outrora
íntimos, ritmados
lamentos desvelados
retratos da aurora.

O som dos passos
no tablado
destino alquebrado
desejos lassos.

Ruídos
proibidos
sentidos
retraídos.

Máscaras a
sorrir
motivos
do porvir.

Porto Solidão
tão turva
tão chuva
rubra obsessão.

Arrebatado pelo sutil
sopro da profunda dimensão
percebeu seu puído coração
estalar como gelo ardil.

Mil olhos a lhe encarar
da fúnebre platéia vazia
mil olhos a lhe ancorar
entre delírios e fantasias.

Olhares do mundo
do eu moribundo
do ser absurdo
cantos raros, eunuco.

O palco, multidão
o palco, Saara
o palco, Samsara
o palco, procissão.

No ato
seu ninho
seu vinho
fogo fátuo.

Num átimo
do átomo
do início
suave sacrifício.

Para além do infinito...


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Avenida Paulista




Terra de ninguém
traduz São Paulo
do concreto duro
o orvalho
a essência
da metrópole insana.

A criança 
com o neném.

O pedinte
sem um vintém.

A fanfarra tocando
"eu queria ser uma abelha
pra buscar na linda flor
ai amor
ai amor"
e logo ao lado
- não sei como
os sons não se confundiam - 
o guitarrista improvisava
sobre a melodia de
All Along The Watchtower
aquele som do Bob Dylan
que o Jimi Hendrix
e sua experience
psicodelizou.

Parei para ouvir
ambas as expressões
artísticas
e pessoais
e enquanto os acordes
transitavam
pelos ares
pelas cabeças
da multidão
que passava incessante
o que se passava
para além de tantos semblantes?

Será que a garota
de boina
azul
nasceu no sul?

Será que o senhor
de bengala
missionou em Bengala
e gosta de blues - e licor?

E o executivo
sem improviso
será que pensa
sempre tão preciso - do seu riso?

E o policial
de sobreaviso
será que desconfia
até mesmo quando vigia?

E por falar na polícia
ela passa agora
ao meu lado.

Acompanha
o grito surdo
do povo brado.

Pouca gente
reunida, cingida
mascarada, unida.

O trânsito dá uma parada
e a massa grita 
palavras de ordem
[sistema desalmado
foda-se a corrupção
alienação
vil metal
submissão].

E ao redor
o pessoal continua
a beber cerveja.

Mil histórias
em uma avenida
onde tudo
se dá
e há.

A grana
que circula
insana.

O poder
tão sutil
tão burguês.

Eu
vocês
elês.

Sordidez
sem tez.

E ao mesmo tempo
tantas cores
luzes
delírios
cruzes.

E na foz
do Nilo
nas entranhas
das lembranças
recordo o alarido
rebrilho
momento tão belo
tão certo
quando veio
naquela vez
aquele garoto
maroto
falar comigo
e o Waltier
meu amigo
dizendo que sabia
falar obrigado
em 20 idiomas.

Paguei pra ver
e ele recitou
em francês
italiano
russo
japonês
fez crer
e contou seus planos
o que queria ser:
explorador
cientista
astronauta
ator
encantou
fez-nos esquecer
nosso desamor.

Avenida Paulista
de enredos surreais
venais, amorais
fraternais, reais
viscerais
em cujo final
mora a Consolação
imensidão que nasce
no Paraíso
santa maternidade
reflexos de humanidade.